Nada

Diante do espelho, seus dedos entrelaçavam-se nos cabelos noturnos, tecendo pensamentos em cada mecha prateada - marcas de uma juventude nunca vivida, mas agora desvanecendo. A beleza, resiliente como uma chama teimosa, ainda resistia ao tempo e às tragédias da vida.

Despiu-se dos sapatos e das roupas do dia, trocando-as pela liberdade de uma saia, embora raramente as vestisse. Seu reflexo no espelho era um mar de perguntas sem respostas, um eco de vazio que ela tentava, inutilmente, preencher.

Esperar tornara-se sua arte; meses, anos, uma espera sem fim. Seu coração, cansado de esperanças e sonhos não realizados, ainda se apegava à ideia de mudança. Mas os velhos hábitos são sombras persistentes.

Seu sorriso, outrora fácil e genuíno, agora era uma memória distorcida no espelho. As rugas contavam histórias de uma doença longínqua, mas não eram elas que haviam roubado seu sorriso. Lágrimas eram agora suas companheiras constantes.

Depois de regar as flores na varanda, ela perdeu-se na rotina da cozinha, dos filhos, do marido. Herdara habilidades culinárias, mas o amor sempre lhe fora esquivo. E aquele vazio, esse silêncio ensurdecedor, porque persistiam?

O jantar transcorria em silêncios cortantes. Preferia gritar, fazer um escândalo, a se afogar naquela indiferença que a sufocava. Sua filha, a luz de sua vida, era sua réplica em sensibilidade e amor, uma benção que ela secretamente temia.

A noite avançava com histórias contadas de forma diferente, abraços desesperados, e uma rotina de distrações vazias. As amizades da faculdade já não a preenchiam; ela se afundava em recordações e lamentações.

Então, ele chegou, distante como sempre. Ela observou-o, buscando vestígios do amor que um dia sentira. Agora só viu um estranho. Calmamente, chamou-o ao quarto, anunciando sua partida. Sua decisão trouxe-lhe um alívio mesquinho a ele. A ela uma indiferenca. Agora, o vazio era seu para moldar, um começo novo para abraçar.