O Apagão de Espanha: a Necessidade de Sistemas Resilientes e os Perigos de por a Ideologia Acima da Engenharia

Armando Vieira

2 de Maio de 2025

O apagão de 28 de abril, que mergulhou Espanha e Portugal no caos, não foi apenas uma falha técnica—foi também um fracasso político e ideológico. Enquanto milhões enfrentavam hospitais paralisados, comboios imobilizados e perdas económicas estimadas entre 2,25 e 4,5 mil milhões de euros, a crise expôs um perigoso divórcio entre o entusiasmo dos políticos pelas energias renováveis e as duras realidades da resiliência da rede elétrica. Apesar da rápida transição de Espanha para a energia eólica e solar—que atingiu 80% de geração renovável no momento do colapso —ter sido celebrada como uma vitória climática, o apagão revelou uma falha fatal: os líderes políticos, guiados mais por dogma do que por rigor técnico, não garantiram que a rede estivesse preparada para lidar com a complexidade de um futuro dominado por renováveis. 

A Falácia do "Fundamentalismo das Renenováveis"

O governo espanhol vangloriou-se da sua transição verde como um modelo, alcançando 100% de geração renovável dias antes do apagão. No entanto, quando o sistema colapsou—devido a uma queda repentina de 15GW na produção solar —, as limitações das políticas ideológicas tornaram-se dolorosamente óbvias. Os políticos, ansiosos por cumprir metas de emissões zero, ignoraram avisos repetidos dos operadores da rede sobre os riscos de integrar renováveis sem sistemas de backup adequados: 

  • Falta de inércia: Ao contrário do gás ou da energia nuclear, as renováveis não fornecem inércia rotacional, deixando as redes vulneráveis a flutuações de frequência. A REE, operadora da rede espanhola, alertou explicitamente em fevereiro de 2025 que uma elevada penetração de renováveis sem "capacidades técnicas de resposta adequada" poderia levar a desconexões catastróficas.
  • Subinvestimento em estabilização: Enquanto Espanha acelerava a instalação de painéis solares, negligenciou inversores formadores de rede, baterias de armazenamento e condensadores síncronos—tecnologias essenciais para gerir flutuações.
  • Encerramento prematuro de centrais nucleares: Líderes da oposição notaram que as centrais nucleares espanholas—que fornecem energia estável de base—estavam desligadas durante a crise, agravando o colapso. O primeiro-ministro Pedro Sánchez desvalorizou estas preocupações como "ignorância", insistindo que as renováveis não tinham culpa.

O apagão provou que as renováveis, por si só, não são o problema—mas a sua implementação sem resiliência é

Políticos vs. Engenheiros: Um Abismo Perigoso

A crise destacou um problema sistémico: a política energética é frequentemente moldada por líderes sem conhecimentos técnicos, que priorizam o simbolismo em vez da estabilidade. Exemplos não faltam: 

  1. Ignorar a modernização da rede: A rede espanhola, construída para geração centralizada de combustíveis fósseis, nunca foi adaptada para lidar com renováveis descentralizadas. Um relatório da REE de 2024 admitiu que as subestações não conseguiam lidar com altos fluxos de renováveis, mas o governo acelerou a expansão solar na mesma.
  2. Desvalorizar avisos: Especialistas alertaram há anos que períodos de baixa produção eólica e solar exigiam sistemas de backup, como centrais a gás ou baterias. Os políticos descartaram estas preocupações como "anti-verdes", deixando a rede exposta.
  3. Bodes expiatórios em vez de soluções: Após o apagão, Sánchez culpou "empresas privadas" e alegou ciberataques (mais tarde descartados), enquanto a oposição atacou as suas "políticas energéticas desastrosas". Nenhum dos lados abordou o cerne da questão: a resiliência exige compromisso, não dogma.

Um Plano para Transições Mais Inteligentes

Para evitar futuros colapsos, os decisores políticos devem abandonar o fundamentalismo e adotar resiliência pragmática

  • Sistemas híbridos: Manter capacidade flexível a gás/nuclear até que o armazenamento esteja totalmente desenvolvido. A abordagem da Alemanha com "tecnologias de transição" mostra que isto funciona.
  • Modernização da rede: Investir em substitutos de inércia (baterias, volantes) e microrredes descentralizadas para isolar falhas.
  • Testes de stress: Simular apagões regularmente—a falta de preparação de Espanha para uma perda de 15GW foi imperdoável.
  • Supervisão técnica: Os ministros da energia devem ouvir os engenheiros, não os ativistas. O apagão de Portugal em 2019 (causado por má gestão da rede) devia ter servido de lição.

Para Além da Fantasia Verde

O apagão em Espanha é um alerta para o mundo. A transição para renováveis é essencial—mas a fé cega na tecnologia sem planeamento de sistemas é irresponsável. Como o professor Keith Bell afirmou: "Não importa de onde vem a energia; o que importa é que a engenharia esteja bem feita". Os políticos devem parar de tratar as redes elétricas como troféus políticos e começar a vê-las como infraestruturas críticas. A luz voltou à Península Ibérica, mas o ajuste de contas só agora começou. 

Referências 

1. Relatório de Sustentabilidade 2024 da Redeia (REE)

2. Análise Económica do Apagão (Abril 2025)


3. Declarações do Governo Espanhol sobre Energias Renováveis


4. Alerta da REE sobre Capacidade Técnica para Renováveis


5. Críticas à Política Nuclear na Espanha


6. Falhas na Estabilização da Rede Elétrica


    7. Pesquisa do MIT sobre Redes Descentralizadas

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